Por Samuel Vieira, reverendo
Na festa de Natal, minha esposa, irmão e cunhada contraíram o vírus Influenza A, subtipo H3N2, o que lhes fez passar por um grande perrengue. Minha esposa sofreu muito com uma forte dor de garganta e por cinco dias mal conseguia engolir. Beber água havia se tornado dolorido, mas era “apenas” uma gripe e ia passar logo. De fato, passou.
15 dias depois, recebemos a visita de outro vírus, o da covid-19. Desta vez, todos da família foram contaminados, inclusive meus filhos que moram fora do Brasil e estavam conosco. Apenas meu netinho de 2 anos não foi positivado. E assim, com minha filha grávida e minha sogra de 86 anos em casa… todos enfrentamos uma ameaça com outros tons: passamos a integrar as estatística de uma pandemia que só no Brasil já matou mais de 620 mil pessoas.
O que poderia acontecer? Apesar de sabermos que se tratava de uma cepa de ação mais branda, ficamos assustados com os possíveis desdobramentos. Graças a Deus, estamos todos bem. Os sintomas não passaram de um gripe leve e em minha filha a doença foi quase assintomática. Mas era covid-19.
Pessoas ligavam, oravam, queriam saber como estávamos reagindo. Pessoas ainda mais queridas nos trouxeram almoço e lanche para nos apoiar, mostrando carinho e cuidado. Minha mãe, que mora em Palmas/TO, ligava todos os dias para saber notícias.
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No dia 20 de dezembro último, o site da CNN notificou que na cidade do Rio de Janeiro a influenza estava matando mais do que a covid-19. Isso, em dezembro, quando se tratava de números absolutos. No último mês do ano, 17 pessoas haviam morrido com Síndrome Respiratória Aguda (SRAG) provocada pelo coronavirus, quase a metade dos óbitos provocados pela gripe no mesmo período – 33, de acordo com dados do Sistema de Informações em Saúde da Prefeitura do Rio de Janeiro. No entanto, poucas pessoas têm medo da gripe. Somos prisioneiros do medo da covid.
De fato, não dá para minimizar o grande desafio da pandemia, mas um aspecto precisa ser considerado: podemos sucumbir mais aos efeitos deletérios do medo do que da doença em si. E assim, deixamos de viver, nos encolhemos em nossos afetos, restringimos relacionamentos, nos enclausuramos em nossos temores.
Um artigo da Revista Brasileira de Psiquiatria afirma que, “no caso de uma pandemia, além das manifestações físicas, o medo é capaz de aumentar os níveis de ansiedade e estresse em indivíduos saudáveis ou de intensificar os sintomas daqueles com transtornos psiquiátricos preexistentes.” Assim prevalece o medo do vírus e de suas consequências, um medo que pode se exacerbar e se tornar uma “coronofobia”.
Por conseguinte, a ansiedade e a insegurança desorganizam a previsibilidade não só em relação às manifestações do vírus em cada pessoa, mas, sobretudo, no que diz respeito ao futuro da carreira, do sustento e dos negócios. Tais incertezas elevam a propensão aos transtornos psiquiátricos, gerando um evento traumático coletivo numa dimensão nunca antes observada.
O medo precisa ser enfrentado. Um ditado japonês afirma que “o medo de perder não deixa a gente ganhar”. O medo precisa ser tratado e, por isso, eventualmente, precisamos conversar com amigos, terapeutas e familiares. Não deveria haver espaço para o negacionismo inconsequente e irresponsável e nem mesmo para a neurose fóbica limitante.
O medo não é bom conselheiro. A Bíblia diz que “o amor lança fora o medo”. Talvez seja uma referência ao fato de que comunidade, igreja, família, amigos… todos os atos de solidariedade e amizade podem nos ajudar a terapeutizar, com a graça de Deus, o medo que nos ronda.