Em primeiro lugar, fique claro que este não é um artigo de Direito ou de Psicologia. Mas, sim, uma impressão com olhar jornalístico com intuito de entender melhor sobre a forma que cada pessoa escolhe para exercer seus direitos assegurados pelas leis. E sobre consequências que as novas formas de comunicação nos impõem a partir das decisões que tomamos para dar visibilidade às nossas ações do dia-a-dia.
A identificação de centenas de pessoas responsabilizadas por participar dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, foi possível a partir de uma atitude curiosa, mas comum, utilizadas por elas
. E que antagoniza de certa forma com aquilo que preceituam as garantias fundamentais do cidadão. Essas pessoas usaram do direito de produzir provas contra si. Inúmeras das pessoas alcançadas pelo braço da lei foram identificadas e localizadas por meio de postagens no Instagram, Facebook e Twitter.
A presunção de inocência e o direito da pessoa em permanecer calada sem que isso pese contra si são garantias fundamentais de todo cidadão e estão previstas no artigo 5º da Constituição Federal. Neste ambiente está contida a popular salvaguarda de que a pessoa tem “o direito de não produzir provas contra si”.
Em outro importante documento encontra-se a garantia de que a pessoa tem o “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada” (Convenção de Direitos Humanos / Pacto de San José da Costa Rica – 1969). Perdoem a brincadeira inoportuna, mas até o marido menos experiente sabe que, se após o banho deixar a toalha molhada em cima da cama, produz prova contra si e, contra si, esta prova será usada no ‘tribunal doméstico’ pela esposa furiosa.
Então, a pessoa, por lei, tem o direito de não produzir provas contra si. Mas, ao mesmo tempo, têm toda a liberdade para, se entender conveniente, produzir provas contra si. No caso dos atos de vandalismo e depredações registrados na capital federal, os autores produziram selfies de imagens e vídeos, publicadas em suas próprias redes sociais, por meio da qual materializaram sua participação, direta ou indireta, naquelas ações.
Mas, se de acordo com o professor Luiz Flávio Gomes, renomado professor e jurista paulista, “é da natureza do ser humano não se incriminar, lutar pela sua liberdade” e, segundo o jurista e filósofo iluminista Jeremy Bentham, este ato faz parte de seu “instinto de preservação ou de autopreservação”, o que leva as pessoas a se auto-incriminar por meio de publicações espontâneas na Internet?.
A psicóloga Thaiana Brotto, formada em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Neurociência pela PUC, em um artigo que publicou em maio de 2020 falou de uma condição identificada recentemente pelo professor Eliezer Somer, da Universidade de Haifa, em Israel: ‘devaneio excessivo’. Uma condição caracterizada por “uma fantasia que serve de uma distração da vida real, um sonhar acordado”, muitas vezes desencadeada por eventos da vida real.
O Hospital Santa Mônica (HSM), de São Paulo, publicou em seu sítio na Internet, em julho de 2018, artigo em que trata do delírio, que precisa de algum estímulo externo para surgir. Causa uma interpretação errada da realidade a partir da distorção dos estímulos. Exemplos: pessoas que se sentem perseguidas, ou de grandeza, quando tem a certeza que é melhor que os outros.
‘Delírio Coletivo’ é o título de um artigo publicado em novembro de 2022 pela doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Sandra Bitencourt, no site ‘A terra é redonda’. Na introdução do texto cita atitudes como marchas, choro, orações, gritos, insultos e crença fanática em mitos, que, segundo ela, forma a impressão de que “um ballet fortemente satírico e de intenções violentas coreografasse em verde e amarelo os efeitos de uma propagação de informações, ideias e valores falsificados”.
Estas impressões podem clarear um pouco nosso exercício mental em tentar compreender o que aconteceu no 8 de janeiro. Ou não. E vejam, é claro, que movimentos como este que invadiu a Praça dos Três Poderes abrigam criminosos especialistas nesta prática nociva. Entretanto, em meio a esta multidão, também se encontram, sim, pessoas de bem, que por motivações que talvez escapem à nossa compreensão, são levadas a acreditar que aquilo que fazem é o certo.
Então voltamos à motivação inicial da nossa análise: a busca de alguma explicação minimamente plausível para justificar a produção e publicação de tão farto material em fotos e vídeos, nas próprias redes sociais, por meio dos quais as pessoas produzem provas contra si mesmas e oferecem de bandeja uma confissão de culpa. Sem ignorar, é claro, a convicção que elas certamente têm de que aquilo que fazem é o correto. E não deve ficar oculto. Pelo contrário, deve ser mostrado. Inclusive com muitas fotos e vídeos nas redes sociais.